segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Uma nova partida - Capítulo 10

Ela me levou para a cama dela, eu nem estava mais tão cambaleante assim
pra dizer a verdade
mas estava tão bom apoiar nela...
Me deitou na cama e disse
-Espera que eu vou buscar ajuda.
Eu segurei sua mão
-Não, fica...!
-Eu já venho.
Teto branco.
Travesseiro macio.
Ajeitei meus pés, virei o rosto de lado,
vi a porta escancarada
e ouvi seus passos indo até o começo do corredor.
Ouvi barulho, e a voz dela chamando
por alguém, alguém pra ajudar
tem um moço passando mal,
alguém?
então os passos voltam.
Voltam apressados, firmes,
e meu sorriso volta, trêmulo.
-Não achei ninguém, o que você tá sentindo, quer um copo de água?
-Não, eu to bem, relax...
-Você já teve isso antes? Quer comer alguma coisa? Qual seu nome?
-Vitor. Meu nome é Vitor.
Eu pisquei bem forte,
abri os olhos, deixei o rosto dela entrar em foco.
É estranho como aquele brilho penetrou a minha mente
e como o silêncio se fez.
Eu me sentei na cama, ainda olhando para aqueles olhos
e uma música desconhecida tocava na minha cabeça.
Eu quis vinho, luar e ela.
-Eu to bem, brigado, deve ter sido só minha pressão...
-Eu to preocupada, você já teve isso antes?
-Hah... é, as pessoas tem esse costume de se preocupar.
Ela abriu um sorriso, mas me olhou com uma cara estranha.
-Onde tem água aqui?
-A primeira porta do corredor à esquerda é um refeitório... tem só que ver se tem copo lá.
Ela foi. Seguiu o corredor. Abriu a porta. Tinha um copo na pia.
Copo de plástico, verde, com umas ondulações de enfeite.
Copo sujo. Bucha azul, detergente amarelo, água correndo.
Ela encheu de água, jato forte que espirrou pra todo lado.
Aí percebeu que também estava com sede, e bebeu no copo.
Aí ela percebeu que tinha um galão de água mineral, ao lado da pia.
E ela encheu de novo o copo.
Aí ela percebeu que havia bebido naquele copo,
e tinha que lavar de novo, mas ela não podia jogar água do filtro na pia,
então ela tomou mais um copo de água...
é bom assim, bem hidratada, cremes hidratantes não hidratam.
Ela lavou o copo, dessa vez com menos cuidado, é sempre assim...
Aí ela encheu o copo de água, achou um pano para secar as mãos...
Os passos no corredor voltaram,
ela voltou,
olhou pra mim da porta.
Eu estava na cama, com a mão apontada pra cima, um dedo esticado,
contando os pontinhos no teto e lembrando de uma história triste que me contaram um dia.
-Cê tá bem?
-Sabia que dá pra morrer tomando bastante água de uma vez?
-Ah é?
Ela se aproximou, sentou ao meu lado na cama, eu parei
de contar os pontinhos do teto.
Ela deu o copo pra mim, seus lábios estavam vermelhos, molhados,
uma ponta de um dedo dela tocou na minha mão ao dar o copo,
seus dedos estavam gelados.
Seus olhos enormes, me estudando
enquanto eu bebia água.

Lilian pensava que era estranho cuidar de mim.
Tinha alguma coisa estranha, alguma coisa como se eu não precisasse ser cuidado
como se o super-homem pedisse ajuda pra ela abrir uma lata de picles.
... Mas lá estava ela
-Você comeu alguma coisa? Quer comer?
-Quero um cigarro... Tem um cigarro?
Ela olhou, como que pensando se seria certo
dar um cigarro para quem estava caído sem respirar a alguns instantes.
Ela alcançou o maço no bolso, era Free.
-Que bom, você fuma o mesmo cigarro que eu. - eu sorri.
Ela sorriu de volta.
Eu acendi.
Lilian acendeu.
E nós fumamos felizes para sempre.
-Deve ter sido a sua pressão.
-Provável, provável.
-Eu te vi hoje de manhã, aqui no bar.
-É?
-É. Você e um cara grande.
-Ah sim...
-É normal que as pessoas sejam daquele tamanho?
-Hahaha, acho que não. Ele comeu bastante feijão quando era menor, deve ser isso.
-Ah...
-Eu acho que eu lembro de ter te visto. Você estava com um caderno, escrevendo alguma coisa, não é?
-Desenhando.
-Você desenha? - eu perguntei, não sei se foi por interesse real na resposta... talvez fosse um interesse na voz dela, ou talvez eu não quisesse silêncio.
-Ah, mais ou menos... acho que sim.
-Haha, como assim?
-É a primeira vez que eu desenho hoje (acho)... - então ela olhou para o chão com cara de triste/pensativa.
-Acha? Hah, o que você faz da vida, afinal? - Por que eu havia perguntado aquilo?
-Ah, eu como em bares pagando com um cartão de crédito infinito, durmo, acordo, e resgato pessoas caídas no corredor. Hahaha!
-Hahahaha, desculpa, eu não costumo ser uma pessoa caída no corredor, foi uma situação um bocado... estranha. Eu estou te dando trabalho?
-Ah não, de forma alguma, eu tava mesmo sem nada pra fazer hoje a tarde...
-Então nesse caso eu acho que você não vai se importar se eu cair no corredor mais vezes, né?
Ela riu, mas algo na risada pareceu ter ficado desconfortável com o comentário.
Me senti na obrigação de salvar a situação,
-Ei, qual é mesmo seu nome?
-Lilian.
-Então Lilian, eu já estou melhor, eu estava indo recolher uma roupa, lá no terraço. Você já foi lá?
-Não. Tem terraço?
-Tem sim.
Levantei em um pulo, contornei a cama,
dei
a mão
pra ela
levantar.
E ela deu a mão pra mim.
Ah...
Aí a gente foi até o fim do corredor.
Não parecia, mas haviam um bocado de portas naquele corredor, só agora Lilian estava percebendo isso
e no fundo do corredor, uma porta de ferro à esquerda, com parafusos soldados, com um clima de segurança máxima em meio aquelas portas velhas de madeira
chamou a atenção da nossa protagonista.
mas eu abri uma porta que ficava do lado oposto
de madeira, e subi por uma escada apertada, com ela atrás de mim
e seus olhos curiosos varrendo tudo.
A escada era grande, e fazia uma curva,
e depois da curva, vinha luz azul
azul de dia bonito
de dia que quer ser vivido
e vinha junto com o céu visto pelo vidro ondulado de uma porta de alumínio.
Eu abri a porta
e senti que se eu olhasse pra trás Lilian viraria uma estátua de sal.
Mas mesmo com aquele dia lindo e azul, eu precisei olhar pra trás e correr esse risco.
-Está bonito o dia hoje...
-É. - ela respondia
com seus olhinhos fascinados, olhando aquele lugar tão distante da cidade e do barulho,
aquela área imensa, cercada por um mini-jardim precário, toda cheirando a natureza e a roupa limpa.
As roupas balançando ao vento pareciam a bandeira daquele planeta
Lilian pôs a mão no coração
pronta para entoar o hino nacional do Hotel Rebeka.
Eu?
Eu sorria...