Lilian acordou.
Branco.
Cama.
Aonde estou?
Isso é um hospital? ...O que houve.
Ela mecheu os braços, e as mãos. Conferiu se as pernas ainda estavam lá.
Voltou a dormir.
Engraçado como as coisas são.
Um dia sua vida vai parar de fazer sentido, e você vai entender
perceber
que no fundo,
é engraçado. E esse parágrafo vai voltar à sua mente, e você vai achar mais engraçado ainda.
Lilian acorda de novo. Dessa vez tem uma policial junto com um homem,
ao lado da cama.
Eles falam alguma coisa...
Algo como se eles tivessem começando uma conversa
ou um assunto delicado.
Ela apenas ouvia o timbre da voz da policial, sem diferenciar palavras
e aos poucos, voltou a dormir.
Horas, dias, meses, anos, são unidades de medidas que não fazem muito sentido pra quem lê
se você parar pra pensar.
Era domingo.
Talvez não fosse domingo.
Mas parecia ser domingo, quando ela acordou, se sentindo bem.
Ela acordou, espreguiçou, passou a mão pela cabeça e percebeu que sua cabeça estava enfaixada,
ficou um tempo imaginando que deviam ter raspado seu cabelo.
O que havia acontecido?
Uma hora dessa narrativa é ignorada.
Ela acha um botão para chamar as enfermeiras. E chama.
E na sequência, ela se distrai com o soro pingando,
então aparece uma enfermeira
morena, eu diria que com uns trinta e poucos anos,
(e eu sou bom nisso de acertar a idade dos meus personagens)
com um rosto típico de gente que só quer que o expediente termine logo
pra poder voltar logo pra casa assistir TV,
e que só quer a semana termine logo
pra poder passar um dia inteiro assistindo TV e arrumando a casa.
Triste, mas verdadeiro,
um bocado verdadeiro...
De qualquer forma, há uma conversa chata entre paciente e enfermeira;
Paciente pergunta - O que houve, como eu vim parar aqui?
Enfermeira pega a ficha da paciente - Parece que você teve fratura craniana devido à uma viga que... bom, que esmagou sua cabeça.
Paciente em um ato clichê põe a mão no curativo mas logo afasta
com repulsa, e diz - O que aconteceu, eu não consigo lembrar.
Enfermeira que poderia ter dado uma resposta muito melhor apenas responde - Pois é bom se lembrar, porque a policial pediu para que eu avisasse quando você tivesse acordada porque ela queria te fazer umas perguntas.
Então a enfermeira sai,
vai dar um telefonema para a policial, provavelmente... não sei.
A cabeça de Lilian dói, e no fundo
ela sabia o que havia acontecido para ela estar ali.
Sabia o tempo todo,
mas é como se ela não tivesse certeza de que era real...
...Em um domingo nada é real.
Havia algo com a concentração dela
que fazia com que ela não conseguisse levar nenhum pensamento adiante,
ela apenas se distraia com as gotinhas de soro caindo, ou com alguém passando no corredor, ou então com as dobras de sua coberta.
Ela estava com calor.
Calor não costuma ser poético.
Ela chuta as cobertas,
mas parece que a poesia se foi, e no lugar dela entrou uma policial.
No mundo real,
os policiais sempre demoram mais.
-Bom dia senhora Lilian, eu sou a detetive Natasha.
-Que dia é hoje?
-Dia dezessete.
-... as pessoas nunca respondem o que a gente quer ouvir...
-O que?
-... Nada.
-Bom Lilian - Então ela tentou usar um tom de policial - receio que você saiba por que eu estou aqui. Na cena do acidente foram encontrados indícios de...
Então elas tiveram toda uma conversa chata, e batida, que você já deve ter visto em outras histórias.
A questão é, eu estou tentando escrever um livro que se adapte ao meu saco metafísico
que no caso, é pequeno,
ou inexistente.
Então, enquanto Lilian e Natasha conversam vou discorrer sobre como a realidade
se baseia em filmes, livros e ficção no geral.
Pare e pense na coisa mais moderna que você já viu no mundo real.
Isso mesmo, pense em algo bem grande, como uma instalação de arte, ou um shopping novo.
Pensou?
Agora pense na instalação mais tosca que você já viu em algum filme dos anos noventa tentando ser futurista, no star trek, ou star wars.
Perceba agora a semelhança ridícula que há entre os dois.
Exato, o moderno é só uma projeção de um passado tosco que ficou na nossa cabeça,
uma marca de como deveríamos ser
que acabamos por seguir.
Policiais são todos tarados por filme...
Olha, a conversa chegou numa parte interessante, a policial diz:
-Senhora Lilian, a senhora está cansada agora. Não sabemos quem foi o responsável por isso, mas acho que interroga-lá agora não vai mudar em nada. Tente descansar.
Ela fez que ia se levantar
mas Lilian-cabeça-enfaixada segurou ela pelo pulso
-Conversa comigo?
-Oi?
-Eu não sei... só fica aí e conversa comigo?
-Como assim? Sobre o que você quer falar?
-O que você gosta... ahm... de fazer? No seu tempo livre de não policial?
A policial ficou em dúvida,
se deveria ou não responder
mas sempre que ela ficava em uma dúvida maior que a sua capacidade de raciocínio
fazia o mais óbvio,
puro instinto policial.
Como o mais óbvio era responder, ela disse:
-Gosto de dançar.
Lilian fingiu interesse e a policial Natasha prosseguiu
-Já fiz dança de salão, contemporânea, jazz, um monte de coisas. Agora fiquei meio sem tempo, mas mesmo assim, pretendo me inscrever em uma aula de sapateado que tem aqui perto ainda essa semana.
-Ah, bacana...
-Você dança?
-Não sei... Não lembro.
-Você tem um corpo bom pra dança, aposto como dança.
-Eu não sei... Acho que não entendo qual é a graça de dança...
-Dança é pra mim a coisa mais gostosa que dá pra fazer com o nosso corpo e nossas vidas, sabe? Algo que você apenas faz por fazer, mas que te da uma sensação de que a sua vida foi totalmente preenchida, e você esquece todos os seus problemas. É como usar drogas, só que melhor, e menos vazio de sentido.
Lilian imagina a policial usando drogas, de uniforme e tudo... não
parece ser algo muito difícil de imaginar.
-Que dia é hoje?
A policial parece achar que Lilian não prestou atenção
ou que ela não estava interessada no seu discurso.
-Você precisa descansar agora, minha filha, e eu tenho meu trabalho pra fazer.
-Não, fica, por favor...
-Eu tenho mesmo que ir, o dever me chama. Melhoras...
Então ela se foi, e Lilian puxou a coberta e dormiu.
Em um domingo nada é real
e cair no sono é algo fácil...
Não que fosse domingo,
não era. Mas o que importa isso,
quando temos um livro todo pela frente?
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