quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Um senso de humor divino - Capítulo 4

Você sabe como é
ao longo da vida
sentir que você não tem pra onde ir.
Mas é como uma trajetória de um objeto que é arremessado.
Você olha o caminho que ele já percorreu
e deduz o caminho que percorrerá.
Claro que a trajetória sempre pode ser
alterada, mas quase ninguém faz isso.
De qualquer forma,
Lilian sentia isso.
Sentia isso, e olhando pra trajetória já percorrida
ela não via nada.
Apenas escuro.
Quando um objeto
se encontra não-estático
mas não sabe a trajetória anterior,
ele acaba indo para todos os lugares.
Foi o que Lilian fez.
Naquela tarde, Lilian andou.
Andou por ruas
andou por avenidas
e o sol no céu
pareceu andar mais devagar
apenas para ver aonde aquilo ia terminar.
Andava sem se preocupar se estava indo em linha reta
andando em círculos,
certa altura,
ela achou uma moeda no chão
-Se der cara eu vou para a direita se der coroa eu vou para a esquerda.
e foram as únicas palavras que ela proferiu durante
toda a sua caminhada
diversas e diversas vezes.

Depois de um tempo,
quando o sol começava a ser comido por prédios
e a sombra das pessoas ficava maior do que
seus medos
Lilian cansou da moeda.
Mas andou mesmo assim.
Escureceu.
Ela comprou uma garrafa de água,
de um cara que vendia bebidas
em um isopor sujo e velho.
Quando a água terminou,
o sol já havia ido embora.
No caminho todo,
(se é que se pode chamar de caminho,)
Lilian trocou olhares com todos que passavam por ela.
Olhares
de curiosidade
no fundo dos olhos
procurando alguma resposta
no abismo que existe dentro de cada olho.

Depois de um tempo
ela já havia decorado todo o rotulo da garrafa
e pôs ela no bolso.
PH seis virgula cinco não é bom,
ela pensou.
Mas sua boca havia parado de funcionar.
Seus ouvidos também.
Aos poucos a caminhada começava a levar Lilian para o limite.
Três vezes ela passou por mim durante essa caminhada.
Eu olhei pra ela,
no fundo dos olhos
e inclinei a cabeça
como quem entende um sofrimento
mas não acha ele válido.
Inclinei a cabeça para o lado.
Como quem quer ajudar
mas sabe que não pode fazer nada.
Foi um olhar gostoso
foi cheio de luz
me envolveu, só isso
que eu posso dizer.

Andar é a palavra desse capítulo.
Ela já estava soando.
Seus pés começavam a se arrastar,
e ela resistia aos bares com cadeiras e músicas.
Agora ela estava em uma descida
barulhenta, onde passavam vários ônibus e caminhões.
Não foi escorregar.
Foi cair com estilo.
Seu pé escorregou
em uma parte mais ingrime da calçada, sua outra perna dobrou,
e nisso,
não quis mais voltar.
Foi praticamente sentar no declive de uma calçada para outra,
teve estilo.
Seja lá o que for isso...

Ela ficou um tempo lá.
Viu um terminal de ônibus ao longe,
pensou em pegar algum ônibus, só para sentar
e descansar,
mas ela não queria ir para nenhum lugar.
Ela lembrou de que quando ela estava alguns passos atrás, ela viu uma velhinha em um portão
e pensou que talvez devesse voltar e pedir abrigo...
Mas aquilo não fazia sentido.
De repente seu cérebro começou a coçar.
Coçar coçar e coçar.
Era como se ele tivesse tentando dizer que havia algo
que ela sabia,
de alguma forma
que poderia resolver aquele problema.
Mas o quê?
Ela pensou no seu cartão de crédito
mas em que isso ajudaria agora?
Seu cérebro coçou tanto
mas tanto,
que ela teve que coçar a cabeça
e mesmo assim
não parava de coçar,
ela estava tomando cuidado para não
acertar os pontos na sua cabeça
com as unhas,
mas acertou algumas vezes.
Ela olhou pra cima
pedindo uma solução,
mas ela sabia
que a solução não viria,
e que a coceira no cérebro
era só alguma paranoia boba.
Ela se levantou, usando mais os braços do que as pernas.
E prosseguiu.
Deu seis passos, arrastados
e pensou em voltar pro declive da calçada
E passar a noite lá.
Ela deu uma última olhada no declive...
Uma ultima olhada no muro verde,
uma ultima olhada em uma placa
que estava sobre uma portinha
ao lado do declive.
"HOTEL REBEKA"
Ela se voltou para começar a andar novamente,
mas a coceira no seu cérebro
pareceu cessar.
Ela olhou para trás novamente.
Aquilo não estava ali, ela pensou.
Depois pensou,
i-d-i-o-t-a.
Mas estava cansada demais de
andar e de pensar
para ficar ressaltando o quão idiota ela era.
Ela aceitou, como um sinal do divino.
Voltou os seis passos,
mas viu que por aquela portinha,
se estendia a maior escada que ela já havia visto na vida.
Suas pernas tremeram.
Ela apertou os olhos, eles lacrimejaram
e ela começou a subida com a mão no corrimão, degrau por degrau.
No fim da escada,
tinha um balcão com um vidro,
e atras do vidro
tinha um homem
assistindo TV, de costas para a escada
e para quem chegasse.
-Mo....
Ela tentou falar,
mas a voz não saiu.
-Arrm rãm, moço.
Ele girou lentamente a cadeira em que estava sentado.
-Que foi?
-Quero um quarto.
Ele resmungou:
-E eu quero um novo emprego.
-O que?
-Eu disse que a gente tem quartos. Costumamos ter...
-Ah... Bom, aceita cartão?
-Aceita sim.
Ele fez algumas perguntas,
ela respondeu qualquer coisa,
ele falou algum valor,
mas ela não conseguia ouvir nada,
apenas pôs o cartão,
digitou um sete um sete
de olhos fechados, e esperou
enquanto ele pegava a chave e dava pra ela.
Ele apenas indicou a portinha pela qual ela deveria seguir
e ao entrar pela porta
ela pode ouvir mais alguém subindo as escadas
por onde ela havia subido.
Era de se espantar que
hotéis daqueles
tivessem clientela.
Era tudo apertado, e pequeno
a escada, o balcão,
a portinha pela qual ela entrou
que dava em outro corredor apertado
cheio de portinhas.
Parecia que tudo havia sido reformado pela metade,
e que a pessoa que havia reformado
colocou o máximo que alguém pode colocar
em um espaço mínimo.
Seu quarto era a décima quinta porta.
Mas até que o quarto não era assim tão pequeno.
O teto, era alto.
Tinha uma beliche.
Tinha uma cabeceira.
Tinha um monte de coisas
mas ela não estava com saco de ver mais nada,
apenas se jogou de cara na cama
que era mais macia do que ela esperava,
e sentiu o sangue formigar por todo seu corpo.

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