quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Uma versão louca e um caderno - Capítulo 5

Ela acordou descansada, ainda era escuro lá fora.
Na sua cabeça,
ela havia dormido por trezentas horas,
mas eu prefiro dizer a verdade
e assumir que ela nem dormiu tanto assim
e que ainda eram quatro e dezessete
da manhã.
Suas pálpebras estavam leves
e ela abriu os olhos com facilidade,
seu corpo parecia novo,
levantar da cama foi natural,
e agora ela estava em pé naquele quarto
com paredes amareladas
teto alto
uma cama, uma cabeceira, um armário
todos feitos de uma madeira que parecia ser
mais antiga que o próprio quarto.
O lençol tinha manchas marrons
e ela preferiu não pensar especificamente
o que eram ou de onde vinham aquelas manchas.
Dormir com a roupa que você chegou
e de luz acesa
é bem prático
mas dormir com o tênis é um exagero.
Ela resolveu dar um descanso para seus pés que sentiram
aliviados o chão gelado de madeira.
Ela sentou na cama novamente
e ficou um tempo lá,
brincando de desenhar na fina camada de poeira
que havia no chão.
Ela sentia o cheiro de poeira,
o cheiro de mofo
e o cheiro do seu próprio suor velho e seco.
Ela andou até a janela, abriu
e viu que ao horizonte
parecia que o dia ia começar a nascer.
Um novo dia, ela se sentia feliz
por ter um novo dia.
Foi até o interruptor com poucos passos, apagou a luz, e voltou a deitar-se.
Ficou olhando em direção ao horizonte
e pensando em todas aquelas luzes em todos aqueles apartamentos
de todos aqueles prédios
que preenchiam quilometros e quilometros de horizonte.
Estava totalmente sem sono.
Ficou lá por um tempo,
cutucando uma lasquinha da cabeceira que estava por sair.
Encarou o teto por um tempo. encarou a porta por um tempo,
começou a se descobrir e cobrir.
Começou a abrir e fechar a gaveta da cabeceira,
a essa altura do campeonato
o horizonte já pegava fogo
e a cidade começava a acordar.
Ela pôs a mão dentro da gaveta
seu estômago começava a doer,
havia algo na gaveta, ela puxou e veio um caderno
de capa mole
de papelão
as bordas amareladas
poucas folhas
as primeiras folhas em branco
as últimas folhas em branco
e aparentemente
as folhas do meio em branco.
Eis que sente uma fome
desesperadora
quando o primeiro raio de sol
bate em seu rosto.
Ela levanta-se da cama, põe as meias
o tênis, estala as costas, espreguiça até ficar sem ar,
respira fundo, levanta e vai correndo em direção a escada,
no caminho lembra de pegar a chave do seu quarto que estava na porta,
volta,
pega
e depois ela para pra refletir se isso foi realmente necessário
já que não tem nada dela no quarto.
Ela passou pelo moço do hotel,
que estava dormindo sentado naquela mesma cadeira
desceu a escadaria estreita e enorme
correndo
e ao sair
a primeira respirada de ar fresco que ela deu pela manhã
fez com que ela se sentisse viva.
Por um momento ela fechou os olhos e abriu os braços
e deixou o ar úmido passear por dentro dela.
Só essa hora foi que ela percebeu que ainda estava com o caderno em mãos
e então ela se sentiu uma versão louca do Cristo Redentor estudantil
em plena metrópole.
Procurou por comida,
viu um boteco na esquina
descendo a rua e foi pra lá.

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