sábado, 10 de setembro de 2011

O lado de dentro - Capítulo 6,5

Eu acordei de sonhos estranhos. Perturbadores.
Sentindo gosto de sangue
sentindo cheiro de sono
pescoço virado, doendo
deitado de bruços
no Hotel Rebeka.
Eu estava com cortes pelo corpo todo
a areia fez com que as dobras das minhas pernas ardessem
eu fiz que ia voltar a dormir,
mas a ideia de voltar a sonhar
fez com que eu realmente quisesse levantar.
Então eu levantei.
Levantei, fumei um cigarro
e não pude sentir a fumaça ir para a minha boca.
Traguei mais forte
as coisas começaram a ficar mais reais.
Era final de madrugada, e eu já não lembrava como era
me sentir descansado.

Abri a porta, olhei para aquele corredor apertado
cheio de portinhas,
aqueles quartos cheios de hospedes...
pensei em cada um de seus habitantes.
Pensei em ir no quinze, conversar com...
Esqueci o nome dela.
Mas sempre penso nela com carinho...
Qual o nome...?
Lilian! Isso, Lilian...
Pensei em chamar ela pra ir pro bar comigo...
Havia luz saindo pela fresta da porta dela,
ela devia estar acordada.
Mas acabei indo para a porta ao lado
e chamando minha solidão pra me acompanhar.
Bati na porta de leve
rapidamente a porta abriu,
Minha solidão era grande, aquela manhã.
Minha solidão parecia um viking mau.
-Vamos tomar umas cervejas.
Eu estava me sentindo estranho
não me sentia sozinho, ao lado daquele viking gigante
mas... estava vazio.
O sol fraco, matinal
bateu no meu rosto, assim que eu desci a escada
e eu acendi mais um cigarro
naquela bituca em brasa que eu estava fumando
-Mais um? - Minha solidão perguntou
Eu terminei de acender
dei um trago profundo
deixei que a fumaça saisse
encarei ele, e perdi a vontade de ser grosso,
apenas fui em direção ao bar da esquina.
-O que foi, aconteceu algo?
-Eu me sinto estranho...
-Estranho... como?
-Não importa.
A cerveja, ela estava estranha. Não era cerveja de verdade,
deixava a boca com gosto de café velho.
Eu quis fazer um sol agradável,
em um céu realmente bonito,
mas não estava funcionando, eu continuava sentindo um vazio.
-Você devia namorar...
-Já conversamos sobre isso, não fode.
-É normal que você se sinta vazio, sua vida está vazia.
-Como vazia?!
-O que você fez hoje?
-Eu andei, encontrei alguns amigos, a gente conversou, jogou um tempo fora, e eu resolvi dar uma corrida no caminho de volta pro hotel.
-...Você não entende...
-...E o que eu não entendo?
(Nessa hora Lilian entrou no bar)
-Olhe o meu tamanho. Olhe a minha força. Eu sou um cara mau e grande. Eu sou um Monstro. Mas eu estou bem comigo.
-E...?
-E aí que isso está errado.
-O que porra você quer dizer, qual seu ponto?
-Que você finge que essa solidão imensa é uma escolha, quando na verdade isso é o que você é, e que se você pudesse escolher ser outra coisa, você seria.
Eu pensei.
Pensei, olhei, senti a rua fervendo de pessoas.
Olhei Lilian sentada lá...
... Ela levantou, foi pegar um papel
e eu quis ela.
Eu fiquei um tempo olhando para a rua
e pareceu que eu conhecia todos os rostos que passavam
pela porta daquele boteco, rosto de gente que sabe viver
rosto de quem esta indo para algum lugar.
Solidão começou a falar novamente
mas eu não conseguia ouvir nada,
estava concentrado em um casal que passava
não dava pra ver direito o rosto da menina
mas eu pude jurar que ela era uma ex-namorada minha
que havia parado de falar comigo há muito tempo atrás.
-...E aí talvez uma guerra comece, ou talvez suas dívidas te engulam
ele gesticulava amplamente, continuou
- e você então vai perceber que enquanto você combateu seu tédio...
Parou por um momento, olhou para fora do bar
-Você não está prestando atenção, não é?
-Eu juro que estou tentando, é que passou uma...
-Vou ao banheiro.
E eu fiquei lá.
Olhei Lilian. Ela comia seu lanche, de forma linda,
com prazer.
Comer talvez seja um dos prazeres mais intensos
dentre os que eu  me permito sentir, por esses dias...
Eu acendi mais um cigarro, a minha vontade de fumar
o meu aperto no estomago
não queria passar
aquela manhã.
Haviam várias garrafas na mesa,
queria eu ter bebido tudo aquilo...
não que fosse fazer alguma diferença
mas eu queria mesmo assim.
Dei alguns goles no meu copo,
continuei com gosto de café velho na boca.
Eu me sentia tragando uma caneta.
Olhei um pouco para Lilian,
senti algo estranho dentro de mim,
senti como se eu quisesse destruir tudo mais uma vez.
Meu pensamento foi perdido entre aquele cenário ridículo
de garrafas de cerveja e paredes mofadas
e eu pude sentir o olhar de Lilian sobre mim.
Fumei meu cigarro, depois de um tempo Solidão saiu do banheiro.
Ele me disse com sua voz grave
-Pare de fugir de quem você é, pare de fingir que você escolheu e...
Eu olhei para ele, prestando bastante atenção
-...e pare de fingir que você não sabe que meu irmão vai destruir tudo. Eu sei que você está assustado e finge que não sabe o que fazer, mas no fundo você sabe. No fundo você sabe quem é a garota, e que ela é capaz de te salvar, e consequentemente me salvar...
-Eu já disse que eu não sei o que ela é! Ela é só uma garotinha que apareceu por aqui...
-Você sabe que nada no Hotel Rebeka é só o que parece ser. Espero que você não se arrependa do que está fazendo, vou embora.
Eu fechei meus olhos
tentei dizer "tchau" mas só mexi os lábios e soltei fumaça.
Quando abri os olhos,
eles estavam molhados
e eu quis sair de lá.
Quis fugir.
Tentei ser simpático com o balconista
dei uma boa olhada nos olhos de Lilian
mas não conseguia pensar.
Não sabia o que ela fazia ali
nem por que toda aquela preocupação com o tédio
eu só não queria mais estar ali.

Eu fui passear.
deixei minha mente vagar pelos pensamentos
e tentei não resistir.
Quando vi, estava em uma praia,
novamente.
De alguma forma, eu percebi durante a caminhada
o pensamento de Lilian cantava alguma música dentro da minha cabeça.
Eu continuei andando em frente,
sentindo a areia entrando pelos meus dedos,
subindo encima do meu pé
depois sendo jogada ao ar conforme eu levantava o pé para o próximo passo.
Talvez por causa do sol forte batendo na minha cabeça
talvez por causa dos meus pensamentos
não sei, sei que quando eu vi,
eu já não queria mais nada
apenas caí na areia, de frente, com o rosto virado
em direção ao mar.
Uma sensação de vazio no meu estomago
havia preenchido o ar,
e tudo ficou ali, esquecido.

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