Algo em mim estava morto
algo nela estava tão vivo.
Solidão deixou o corpo se recompondo na cama
e apareceu correndo, desajeitado
me achou na praia, caído, minha mente longe,
meu coração frio, duro
e por baixo da minha pele um deserto havia crescido
e a seca destruía tudo.
Solidão tentou falar comigo,
me sacudiu,
mas não havia luz em meus olhos.
Ele me pegou em seus braços enormes, do tamanho de troncos de arvores
como se eu fosse um bebe desprotegido e caminhou comigo
em direção ao Hotel Rebeka.
No caminho, as cores enfraqueciam.
As pessoas iam andando mais devagar
as árvores da rua iam morrendo
e sem que ninguém percebesse
o mar ia subindo e engolindo a praia, aos poucos,
e aos poucos as beiras daquela imensa cidade
começavam a simplesmente se desfazer
como se fossem de areia o tempo todo.
Solidão começou a andar mais rápido,
conforme sentiu suas forças indo embora.
O homem que pedia dinheiro no semáforo aquele dia não havia comido, mas de repente estava sem fome.
O homem do bar havia parado de limpar um copo na metade, deixou lá, a torneira aberta, o copo ensaboado parado nas mãos, e aos poucos a água da torneira ia diminuindo o fluxo.
As pessoas que andavam, e conversavam, e esbarravam o tempo todo, agora estavam paradas olhando para o chão, sem saber pra onde ir.
Tédio em uma loja de ferramentas estava testando os machados nas pessoas que ele criava, mas de repente seus machados pareciam não estar mais afiados, e as pessoas já pareciam não querer mais resistir.
Só uma pessoa não sentia nada de especial além de sonhos inquietos.
Seus lábios tinham vida. Tocavam aquele travesseiro sortudo
que quase se sentia ofendido por tamanha maciez.
Sua pele não ressecava, sua respiração era constante
ela tinha um pouco de cola de fita crepe na têmpora.
Ela tinha tudo que eu precisava pra me sentir bem,
mas entre eu e ela
havia distância
uma distância que diminuía conforme um Viking subia as escadas apertadas
passava pela porta apertada
cambaleava para o lado
quase caindo
e deixava de existir.
E o tempo todo
eu estava sozinho
caído no corredor.
De repente, já não havia mais solidão, dor, medo, nada
e toda a luz começou a ir embora e me abandonar.
Aos poucos minha respiração finalmente cessou.
...
barulho?...
Ela abriu os olhos de bom humor.
Seus olhos brilhavam, e um sorriso imenso se abriu
mostrando uma coleção de dentes branquinhos
que só os mais sortudos podem imaginar.
Ela tinha um livro para ler.
Ela tinha um dia para viver.
Ela tinha uma vida toda para consumir.
E sonhos e desejos e vontades.
Levantou em um pulo.
Sentiu vontade de um banho, mas não sabia se havia banheiro no hotel,
resolveu ir perguntar pro moço da recepção.
O barulho
da minha mente
finalmente terá fim.
Essa é minha ultima respiração, e logo
Meu coração irá parar mandar oxigênio para o meu corpo.
.... então morrer é assim?...
Lilian se assusta. Se assusta ao abrir a porta e ver um corpo caído ao chão.
Por alguns segundos ela não sabe o que fazer,
olha ao redor mas não há ninguém para ajudá-la.
Seus pés descalços e macios
tocam o chão
e o toque de seus pés macios faz com que o chão se torne duro.
E seus olhos curiosos espreitam tudo ao redor,
seus olhos grandes e brilhantes
fazem com que o corredor volte a ter brilho e cor.
Ela contorna meu corpo para ver meu rosto.
Ela me reconhece!
Sim, o homem do bar, amigo do Viking!
Sua boca abre de surpresa, mas ela faz silêncio
fica de joelhos, põe a mão no chão
encosta o seu rosto no chão
em frente ao meu
vê que meus olhos estão abertos e sem vida
e por um momento um calafrio percorre todo o seu corpo.
"Diz que não está morto
diz que está respirando
não! morto não!" ela pensa.
Então ela olha para meu corpo,
para ver se eu estou respirando.
... não meu bem, eu não estou respirando...
Seus olhos se voltam para os meus novamente
ela toca o meu rosto.
Um toque.
Um toque comum, que qualquer pessoa idiota podia ter feito.
Uma coisa normal
tão normal quanto tudo o que aconteceu na sua vida desde que você acordou
até você estar lendo essa frase.
Tão normal quanto o céu.
Mas em algum lugar que eu caia
suas mãos me alcançaram
e alguma vida que estava escondida
na terra rachada daquele deserto
saiu.
Saiu e me fez encher os pulmões de ar
e piscar
e ver.
Ah.. e ver.
Morrer é isso?
Eu senti uma pressão na cabeça
e ouvi um zumbido
e minha vista ficou preta e voltou.
e eu só fui ouvir o que ela me dizia depois de alguns segundos.
E só fui entender depois de alguns segundos mais.
Ela perguntava desesperada
-Moço, você tá bem?! Moço! Moço, o que você tem, você tá me ouvindo?!
Eu mechi a boca
mas não saiu nada.
e eu nem me importei,
porque eu percebi
que eu estava de repente feliz
por estar vivo
e por não ter morrido
e por ouvir e ver aquele rosto lindo.
Eu apertei os olhos,
fechei a mão,
abri,
me mechi.
me apoiei em um dos braços pra me por sentado,
ela me ajudava,
me segurava com as duas mãos pelo ombro.
Eu engoli,
engoli seco.
Abri os olhos,
ela estava bem na minha frente
eu abracei ela.
Eu quis chorar.
Achei que eu fosse chorar
nem sei por que,
mas não veio a lágrima.
apenas veio o calor do corpo dela
e eu apertei mais.
Depois de um tempo ela me abraçou também.
... Sim, eu estava vivo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário